A reestruturação

Antes de tudo começar, eu estava cursando Direito e minha esposa fazia Serviço Social, morávamos em um apartamento com nossos dois filhos mais velhos. Então veio a gravidez do nosso terceiro filho e, após o nascimento dele, morar em apartamento já não era vantajoso. Precisávamos de espaço. Nesse meio tempo eu também passei em um concurso para trabalhar como Agente Comunitário de Saúde. Então, conseguimos finalmente achar uma casa que nos atendesse. Nos mudamos com ajuda de amigos para levar a maior parte das coisas. 

Quando já estávamos morando na casa que alugamos, comecei a sentir uma leve dor no peito. Mas como havia mexido com mudança, pensamos ser muscular. Os médicos com quem eu trabalhei sempre trataram como algo muscular também. Perdi as contas de quantas vezes tomei analgésicos e relaxantes musculares. Mas nada funcionava. E assim foi durante mais de um ano. As dorzinhas estavam sempre presentes. Me deram relaxantes musculares, ansiolíticos, mas nada funcionava. Até que, não aguentando mais as dores, pedi férias para poder investigar melhor o que tava acontecendo. Fiz um raio-x que constou um leve desgaste de vértebras, mas ao passar por um fisioterapeuta, ele desconfiou de algo um pouco mais complexo. Me passou exercícios para alívio das dores e orientou parar se elas piorassem. Fiz os exercícios. As dores pioraram. Avisei a ele e, de imediato ele me passou o contato do neurocirurgião que, enfim, me deu o diagnóstico que me abalou tanto.

(Eu, durante o tratamento e as sessões de fisioterapia, ainda muito debilitado, mas já me movendo com algumas limitações)


Nesse meio tempo, entre todas essas coisas acontecerem, nós estávamos com planos para mudar de país, então, em nossa casa já não tinhamos mais a cama, dormíamos apenas no colchão. Algumas estantes também foram vendidas. Na verdade, tudo o que tínhamos já estava reservado para outras pessoas, na promessa de passar a elas e receber os pagamentos perto de nossa ida. Mas, como a vida é uma caixinha de surpresas, afinal, nossos planos foram totalmente interrompidos pois eu precisava urgentemente fazer o tratamento para sobreviver.

E assim foi. Quando iniciei o tratamento, ainda internado, precisamos mobiliar a casa toda novamente e adquirir outras coisas para que eu tivesse o atendimento e conforto adequados à rotina que se estabeleceria até então. E assim, minha esposa iniciou uma Vakinha para podermos arcar com as despesas no hospital (cuidadores, comida - pois a do hospital era horrível) e comprar as coisas necessárias pra casa que eu pudesse usar sem riscos e com o conforto necessário. 

A solidariedade de pessoas próximas e de outras, ainda que muitos distantes, foi a peça chave para obtermos o êxito necessário com doações. Conseguimos comprar todo o necessário e, como minha esposa ainda estava grávida da nossa caçula, ganhamos muita coisa pras crianças também. Então digo que, apesar de todos os pesares - que pesaram muito, diga-se de passagem, nós tivemos todo apoio necessário para que eu pudesse fazer meu tratamento, fazer a fisioterapia que precisava e poder me restabelecer.

 Entretanto, claro, nem tudo foram apenas flores, porque afinal, era uma luta contra uma doença terrível. Então, ao iniciar as quimioterapias, durante uma pandemia, tendo que nos isolar de todos e higienizar item por item que a gente comprava, ali, eu tive medo. MUITO MEDO! Pois estávamos em meio a uma pandemia, de um vírus para o qual ainda não havia tratamento adequado e eu, imunossuprimido, ao ponto de às vezes ficar com a imunidade completamente zerada, já tinha medo de morrer daquela doença. Quando via as mortes pelo COVID aumentando ainda mais, o desespero batia, eu às vezes queria chorar de medo de morrer, em outras vezes eu chorei mesmo, tanto que desenvolvi uma mania que até hoje me assola: às vezes, na madrugada, acordo subitamente, como uma forma meio irracional de pensar "se acordei é porque tô vivo e bem", parece bobo, né? Mas depois que a gente passa por uma experiência dessa, o desejo de controlar nossa vida se acentua ainda mais, e, ao fazer isso, é uma sensaçãozinha de "tô no controle, tô bem", que de certa forma, traz uma certa paz por nos vermos no controle de nosso corpo, sabendo que ainda estamos "no comando" de alguma coisa em nossas vidas. 

"Mas você tava sempre sorrindo." 

É, eu estava sim, sempre busquei manter o bom humor pois sempre tive o humor, os sorrisos, como uma forma de remédio, porém, claro, por dentro, eu estava me remoendo de medo, angústia... Muitas vezes cheguei a pensar que se eu desistisse logo, talvez fosse mais fácil. E de fato seria, eu poderia entregar os pontos ali mesmo e deixar aquele diagnóstico ser a minha sentença. Mas felizmente sempre tive amigos presentes e uma esposa que nunca, em hipótese alguma, me permitiram desistir. Desistir nunca foi uma opção. 

E hoje, olhando em retrospecto para tudo, enquanto escrevo aqui para vocês, percebo o quão afortunado fui e sou por ter todas essas pessoas comigo e, mais do que isso, o quão errado eu estava em pensar que desistir seria a opção mais fácil. Não é. A mais cômoda das opções, talvez, pois aí eu não teria que lidar com aquele problema. Mas e aí? Que legado eu estaria deixando para os meus filhos? Que exemplo os estaria dando se eu simplesmente largasse tudo e deixasse o câncer me vencer? Não. Eu não poderia. E eu não deixei! Porque eu sempre tive motivos de sobra para nunca desistir! 


Comentários

  1. Desistir não é uma opção! Vc nunca me deixou desistir de nada, não ia deixar vc fazer isso! Te amo e tenho muito orgulho de você!

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